Versão para profissionais de saúde
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Prevenção e Fatores de Risco
O consumo de bebidas muito quentes, em temperaturas superiores ou igual a 65°C, aumenta o risco para o desenvolvimento de câncer de esôfago. Observe que o fator determinante desta relação é a alta temperatura de consumo da bebida, independentemente do tipo e, em geral, isso ocorre com o chimarrão que, devido à técnica de consumo, entra em contato direto com o esôfago. O mecanismo que explica a carcinogenicidade dessas bebidas parece estar relacionado aos danos celulares ocasionados pela injúria térmica, levando ao aumento no risco de carcinoma de células escamosas de esôfago.
As bebidas alcoólicas são fortemente associadas ao aumento do risco de desenvolvimento de câncer de esôfago (carcinoma de células escamosas somente). Dentre os mecanismos reconhecidos que explicam a associação do álcool com o câncer, sabe-se que o etanol é convertido no organismo em acetoaldeído. Tanto o etanol quanto o acetoaldeído são classificados como agentes carcinógenos para humanos. Cabe destacar, ainda, que o etanol funciona como solvente podendo facilitar a entrada de outras substâncias carcinógenas nas células. Não só o consumo regular, mas também o consumo excessivo e esporádico de álcool, em uma única ocasião, pode aumentar o risco. Recomenda-se evitar a ingestão de qualquer tipo de bebida alcoólica, visto que quanto maior a dose ingerida e a duração do consumo de álcool, maior será o risco de desenvolver os tipos de câncer.
Outro importante fator que eleva o risco de câncer de esôfago, especificamente para adenocarcinoma de esôfago, é o excesso de gordura corporal. Concordando com esta evidência, manter o peso corporal adequado (definida como IMC entre 18.5 e 24.9 Kg/m²) apresenta efeito preventivo. O aumento da pressão intra-abdominal decorrente da obesidade promove a ocorrência de refluxo gastroesofágico. A frequente exposição ao conteúdo ácido do estômago pode causar alterações celulares na porção inferior do esôfago, o esôfago de Barret, que por sua vez é considerado uma condição pré-maligna que pode evoluir para um adenocarcinoma esofágico.
O tabagismo também é um importante fator de risco para o câncer de esôfago.
Trabalhadores da construção civil, metalurgia, indústria de couro, indústria nuclear, manufatura da borracha, eletrônica, mineração, agricultura, engenheiros eletricistas, mecânicos, extratores de petróleo, motoristas de veículos a motor, trabalhadores de lavanderias/lavagem a seco, serviços gerais ou aqueles que lidam com equipamentos que emitem radiação ionizantes, tais como raio-x e gama (instituições médicas ou laboratórios) podem apresentar risco aumentado de desenvolvimento da doença relacionada a exposição no ambiente de trabalho.
Referências:
DROPE, J. et al. The Tobacco Atlas. Atlanta: American Cancer Society and Vital Strategies, 2018.
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Detecção precoce
As estratégias para a detecção precoce do câncer são o diagnóstico precoce (abordagem de pessoas com sinais e/ou sintomas iniciais da doença) e o rastreamento (aplicação de teste ou exame em uma população assintomática, aparentemente saudável, com o objetivo de identificar lesões sugestivas de câncer e, a partir daí encaminhar os pacientes com resultados alterados para investigação diagnóstica e tratamento) (WHO, 2007).
Diagnóstico Precoce
A estratégia de diagnóstico precoce contribui para a redução do estágio de apresentação do câncer (WHO, 2017). Nesse método, destaca-se a importância de ter a população e os profissionais aptos para o reconhecimento dos sinais e sintomas suspeitos de câncer, bem como o acesso rápido e facilitado aos serviços de saúde.
Rastreamento
O rastreamento do câncer é uma estratégia dirigida a um grupo populacional específico em que o balanço entre benefícios e riscos dessa prática é mais favorável, com maior impacto na redução da mortalidade. Os benefícios são o melhor prognóstico da doença, com tratamento mais efetivo e menor morbidade associada. Os riscos ou malefícios incluem os resultados falso-positivos, que geram ansiedade e excesso de exames; os resultados falso-negativos, que resultam em falsa tranquilidade para o paciente; o sobrediagnóstico e o sobretratamento, relacionados à identificação de tumores de comportamento indolente (diagnosticados e tratados sem que representem uma ameaça à vida) e os possíveis riscos do teste elegível (Brasil, 2010; INCA, 2016).
Não há evidência científica de que o rastreamento do câncer de esôfago traga mais benefícios do que riscos e, portanto, até o momento, ele não é recomendado (WHO, 2007; NCI, 2021).
Já o diagnóstico precoce deste tipo de câncer é possível em apenas parte dos casos, pois a maioria só apresenta sinais e sintomas em fases mais avançadas da doença. Os sinais e sintomas mais comuns e que devem ser investigados são (NICE, 2021):
- Disfagia
- Perda de peso
- Epigastralgia
- Refluxo
- Dispepsia
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastreamento. Cadernos de Atenção Primária, n. 29. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_primaria_29_rastreamento.pdf. Acesso em: 18 ago. 2023
INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA (INCA). Detecção precoce do câncer. Rio de Janeiro: INCA, 2021. Disponível em: https://antigo.inca.gov.br/publicacoes/livros/deteccao-precoce-do-cancer Acesso em: 19 jul. 2021.
NATIONAL CANCER INSTITUTE (NCI). Esophageal Cancer Screening (PDQ®)–Health Professional Version. Published: 29 June 2021. Disponível em: https://www.cancer.gov/types/esophageal/hp/esophageal-screening-pdq#_28 Acesso em: 10 ago. 2023.
NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CARE EXCELLENCE (NICE). Guideline Suspected cancer: recognition and referral. Published: 23 June 2015. Last updated: 29 December 2021. Disponível em: https://www.nice.org.uk/guidance/ng12 Acesso em: 17 ago. 2023.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Early detection. Geneva: WHO, 2007. (Cancer control: knowledge into action: WHO guide for effective programmes, module 3). Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/43743/9241547338_eng.pd.... Acesso em: 17 ago. 2021.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Guide to cancer early diagnosis. Geneva: World Health Organization; 2017. Licence: CC BY-NC-SA 3.0 IGO. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/254500. Acesso em: 17 ago. 2023.
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Sinais e sintomas
Apenas uma pequena parte dos tumores de esôfago e da JEG, especialmente os precoces, são descobertos em indivíduos assintomáticos durante a realização de endoscopia digestiva alta (EDA). A maioria dos pacientes com câncer de esôfago (CE) se apresenta com sintomas que denotam doença localmente avançada ou metastática, principalmente disfagia progressiva, fadiga e perda de peso. A dor torácica também pode estar presente, especialmente nos casos de grandes lesões primárias com invasão de estruturas do mediastino ou de volumosos conglomerados linfonodais mediastinais.
Outras manifestações clínicas frequentes da doença incluem odinofagia, anemia, tosse, rouquidão, por envolvimento do nervo laríngeo recorrente, e dispneia.
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Diagnóstico
O CE é diagnosticado pelo exame de EDA, durante o qual são realizadas múltiplas biópsias das lesões suspeitas. Após confirmado o diagnóstico, devem ser feitos exames de imagem, com intuito de estadiamento, que irão orientar a melhor estratégia terapêutica (cirurgia; tratamento neoadjuvante à cirurgia; quimioterapia e/ou radioterapias definitivas; tratamento paliativo). Os métodos de imagem mais amplamente utilizados são: a ultrassonografia endoscópica (EUS), a tomografia computadorizada (TC), a tomografia por emissão de pósitrons associada à TC (PET/CT) e a broncoscopia. Uma vez que as diferentes modalidades possuem pontos fracos e fortes para avaliação dos diferentes parâmetros (T, N e M), faz-se necessária uma abordagem multimodal para que se alcance um estadiamento mais acurado.
A TC de tórax, abdome e pelve desempenha um papel crucial na detecção de linfonodos metastáticos, de metástases hematogênicas e também na avaliação do grau de acometimento local do tumor. A broncoscopia é realizada para que se possa excluir a presença de infiltração traqueal, paralisia de cordas vocais e/ou tumores sincrônicos de vias aéreas. A EUS estuda a profundidade de invasão tumoral na parede esofagiana e também se presta ao estadiamento de linfonodos regionais, inclusive com a possibilidade de realização de punção aspirativa por agulha fina (PAAF) para confirmação diagnóstica. O PET/CT tem papel tanto no estadiamento, para excluir metástases à distância, quanto na condução do tratamento, pela avaliação da resposta metabólica ao tratamento neoadjuvante.
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Classificação e estadiamento
A definição e a classificação dos tumores da junção esôfago-gástrica (JEG) são motivos de controvérsia na literatura. Em parte, essa confusão se dá pela imprecisão da localização clínica da cárdia, assim chamada por ser a parte do estômago que está próxima ao coração. Do ponto de vista anatômico, a JEG está localizada a nível do ângulo de His, onde o esôfago tubular se encontra com o estômago sacular. Entretanto, essa definição tem pouca aplicabilidade clínica, uma vez que esse ponto é difícil de ser identificado pela EDA ou por exames de imagem.
Existem algumas classificações topográficas para os tumores localizados na JEG que objetivam auxiliar os cirurgiões na escolha do tratamento cirúrgico. A classificação proposta por Siewert foi publicada em 1987 e aprovada em consensos em congressos internacionais. É o sistema mais adotado no mundo ocidental, abrange todos os tumores com epicentro 5 cm proximal ou distal à JEG anatômica, e divide os tumores em 3 tipos principais.
- Tumor Tipo I: é o tumor do esôfago distal que infiltra a JEG e, em geral, se origina a partir de uma região de metaplasia intestinal ou esôfago de Barrett (EB). O epicentro situa-se de 1 cm a 5 cm acima da JEG.
- Tumor Tipo II: é o carcinoma verdadeiro da cárdia, que surge da própria mucosa da cárdia ou de segmentos curtos de EB. O epicentro situa-se de 1 cm acima a 2 cm abaixo da JEG.
- Tumor Tipo III: é o carcinoma subcárdico que infiltra a JEG e o esôfago distal. O epicentro situa-se de 5 cm a 2 cm abaixo da JEG.
A União Internacional de Controle do Câncer, do inglês Union for International Cancer Control (UICC), o Grupo Americano de Comitê em Câncer, do inglês American Joint Committee on Cancer (AJCC) e a Sociedade Japonesa de Esôfago, do inglês Japanese Esophageal Society (JES) baseiam o estadiamento do CE e da JEG em três parâmetros principais: a profundidade de invasão na parede esofagiana (T), o envolvimento linfonodal (N), e a presença de metástases à distância (M). Atualmente, o estadiamento do CE e da JEG é feito de acordo com a oitava edição do manual da AJCC. Os tumores de esôfago são considerados precoces quando a invasão da parede se restringe a camada submucosa (T1b), e quando não há envolvimento metastático linfonodal ou à distância. A classificação TNM é a mesma para os dois tipos histológicos principais, CEC e AC. Contudo, por apresentarem prognóstico distinto, eles são estadiados separadamente e possuem cada um sua própria seção. Além do tipo histológico, o grau de diferenciação tumoral também influencia o prognóstico. Assim, tumores bem e moderadamente diferenciados (G1-2) estão associados à melhor sobrevida que os tumores pouco diferenciados (G3). Finalmente, para o CEC, o prognóstico também é afetado pela localização do tumor. Os tumores de terço superior e médio apresentam pior prognóstico que os tumores localizados no esôfago distal.
Em relação aos tumores situados na JEG, o estadiamento ficou assim definido na oitava edição do TNM: tumores que envolvem a JEG e possuem seu epicentro não mais que 2 cm no estômago proximal são estadiados como tumores de esôfago. Já os tumores com epicentro situado a mais de 2 cm no estômago proximal são estadiados como tumores de estômago, mesmo se envolverem a JEG. Em termos práticos e de maneira geral, as lesões Siewert I e II são estadiadas como tumores de esôfago, enquanto os tumores Siewert III são estadiados como tumores de estômago. Além dessa, outra modificação importante da oitava edição em relação à sétima foi considerar como regionais todos os linfonodos periesofagianos localizados desde a região cervical até o tronco celíaco.
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Tratamento
O câncer de esôfago (CE) é uma doença complexa e multifacetada, cujo tratamento envolve a participação de múltiplos especialistas, tais como cirurgiões oncológicos, oncologistas clínicos, endoscopistas, radioterapeutas, radiologistas, patologistas, além de nutricionistas, profissionais de enfermagem, serviço social e outros. Idealmente, os casos devem ser discutidos e deliberados em uma reunião conjunta, na qual a conduta é definida baseada no estadiamento clínico da doença e nas condições clínicas e fisiológicas do paciente.
Os pacientes com CEC superficial limitado à camada mucosa e sem metástase linfonodal devem ser preferencialmente tratados por terapias endoscópicas locais, tais como mucosectomia, para tumores < 2 cm, ou por dissecção endoscópica de submucosa, para lesões maiores. A invasão tumoral da camada submucosa é considerada como contra-indicação para o tratamento endoscópico com intuito curativo. Para o AC, a ressecção endoscópica pode ser considerada curativa quando a análise da peça revelar margem profunda e laterais livres, invasão da submucosa menor que 500 µm, ausência de invasão angiolinfática e grau de diferenciação tumoral 1 ou 2.
Para tumores não passíveis de tratamento endoscópico, a cirurgia é a principal modalidade de tratamento com intuito curativo nos pacientes com condições clínicas adequadas, especialmente para os casos sem disseminação linfonodal e com invasão tumoral até a camada muscular (T2N0). Entretanto, para tumores localmente avançados (T3-4 e/ou N+), as taxas de sobrevida oferecidas pelo tratamento cirúrgico exclusivo são limitadas, cenário no qual a incorporação de terapias neoadjuvantes ou perioperatórias possibilitaram ganho substancial de sobrevida. As principais modalidades de tratamento neoadjuvante são a radioquimioterapia, aos moldes do protocolo CROSS, e a quimioterapia perioperatória, aos moldes do protocolo FLOT.
A esofagectomia deve ser realizada preferencialmente entre 4 a 8 semanas após o término do tratamento neoadjuvante. Os principais objetivos da cirurgia são a ressecção com margens negativas associada à linfadenectomia locorregional. A escolha da abordagem cirúrgica depende da experiência do cirurgião, das condições clínicas do paciente e da localização do tumor. A esofagectomia pode ser realizada por vias aberta, tóraco-laparoscópica, robótica ou por uma combinação entre elas (híbrida). O procedimento pode ser feito por via transhiatal, com acessos nas regiões cervical e abdominal, ou transtorácica, que pode ser feita pelo lado direito ou esquerdo. A linfadenectomia em geral é realizada no mediastino e no abdome superior, mas pode se estender para a região cervical em casos selecionados.
Os pacientes com CEC de esôfago cervical, os inaptos ao procedimento cirúrgico por fragilidade clínica ou comorbidades graves, ou com tumores T4b deverão ser submetidos à quimiorradioterapia definitiva.
Os pacientes com doença metastática e com bom performance status (PS) são candidatos a tratamento paliativo baseado em quimioterapia e/ou imunoterapia.
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Acompanhamento pós tratamento
As estratégias de seguimento pós-tratamento são bastante controversas, variam entre os diversos centros hospitalares e guidelines, e baseiam-se em estudos retrospectivos e em consenso de especialistas. Seus principais objetivos são a detecção precoce de doença recorrente/metastática e de novas neoplasias, o diagnóstico e o manejo das complicações relacionadas ao tratamento, e o fornecimento de suporte psicológico e nutricional aos pacientes.
Todos os pacientes devem ser sistematicamente acompanhados. Em geral, a maior parte das recidivas ocorre durante os dois primeiros anos após o término do tratamento. Os pacientes assintomáticos devem ser avaliados clinicamente com história e exame clínico a cada 3 a 6 meses pelos dois primeiros anos, a cada 6 a 12 meses do 3º a 5º ano, e anualmente após esse período. Os exames laboratoriais ou de imagem devem ser solicitados de forma criteriosa quando clinicamente indicados.
Estágio 0 ou I
A vigilância endoscópica regular anual está indicada para os pacientes com tumores superficiais tratados por terapia endoscópica. Já nos casos de tumores precoces submetidos a esofagectomia, a EDA pode ser feita sob demanda de acordo com a suspeita clínica, ou quando houver suspeita de estenose da anastomose esôfago-gástrica.
Estágio II ou III
Nos pacientes submetidos a tratamento com quimiorradioterapia exclusiva, a EDA deve ser realizada anualmente por pelo menos 2 anos. Além dela, deverão ser realizadas TCs de tórax e abdome a cada 6 meses por 2 anos, a cada 6 meses no 3 ano, e, após esse período, somente quando clinicamente indicado.
Nos pacientes submetidos a tratamento neoadjuvante seguido de cirurgia, o seguimento deve ser feito com TCs de tórax e abdome a cada 6 meses nos dois primeiros anos. A EDA somente deve ser solicitada em caso de suspeita clínica de recorrência local ou de estenose da anastomose esôfago-gástrica.
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Estudos clínicos abertos
Confira os estudos clínicos abertos para inclusão de pacientes no INCA.
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Prevenção e Fatores de Risco