Versão para profissionais de saúde
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Prevenção e Fatores de Risco
O câncer de estômago está entre os mais incidentes, em ambos os sexos, na população brasileira. Seu desenvolvimento está fortemente associado a alguns fatores de alimentação e nutrição.
O excesso de gordura corporal (sobrepeso e obesidade) aumenta o risco de desenvolvimento de câncer gástrico na região da cárdia. O referido excesso é caracterizado por um estado inflamatório crônico com aumento da produção de fatores pró-inflamatórios, como o fator de necrose tumoral (TNF) -alfa, interleucina (IL) -6 e proteína C-reativa. Essa inflamação crônica pode promover o desenvolvimento do câncer. O sobrepeso e obesidade também promove níveis elevados de insulina e leptina, e aumenta a produção de hormônios endógenos, incluindo esteroides sexuais e insulina, o que pode aumentar a proliferação celular e prejudicar a apoptose e, consequentemente, promover o crescimento de células cancerígenas.
Outro mecanismo relacionado ao excesso de gordura corporal é a frequente ocorrência de refluxo gastroesofágico. Possivelmente, o refluxo é causado pelo aumento da pressão intra-abdominal levando ao desenvolvimento de esôfago de Barrett. Por sua vez, o esôfago de Barrett é reconhecido como um potencial agente precursor de câncer gástrico (região da cárdia) e de adenocarcinoma esofágico.
O consumo excessivo de sal, alimentos salgados e conservados no sal aumentam o risco de desenvolvimento de câncer de estômago. A ingestão de sal (cloreto de sódio) – caracterizada pelo consumo superior a 6 gramas por dia (equivalente a 2,4g de sódio), de todas as fontes alimentares - pode danificar o revestimento do estômago, promovendo inflamação e atrofia da mucosa gástrica . Tais danos na mucosa podem aumentar a colonização por Helicobacter pylori nos indivíduos portadores dessa bactéria, o que constitui fator de risco para o câncer de estômago.
Outro importante fator de risco para o câncer de estômago é o consumo de bebidas alcoólicas com significativo efeito dose-resposta. Alguns mecanismos biológicos explicam essa associação. O álcool (etanol) é convertido no organismo em um metabólito chamado acetaldeído. Tanto o etanol quanto o acetaldeído são classificados como agentes carcinógenos para humanos. O etanol funciona como solvente podendo facilitar a entrada de outras substâncias carcinógenas nas células. Por fim, os efeitos do álcool no risco de câncer podem ser explicados pela produção de prostaglandinas, pela peroxidação lipídica e pela produção de radicais livres.
O tabagismo também é um importante fator de risco para o câncer de estômago.
O adenocarcinoma gástrico é uma doença multifatorial e tanto os fatores ambientais e genéticos têm importante papel em sua etiologia. Alguns desses fatores de risco, como idade e sexo, não são modificáveis, enquanto outros, como fumar e a infecção pela H. pylori potencialmente são1.
No congresso mundial de câncer gástrico ocorrido em Pequim em 2017, um painel de experts definiu a erradicação do H. pylori, ainda na adolescência, como a medida mais efetiva na prevenção do câncer gástrico.
Exposição a poeiras da construção civil, de carvão e de metal, vapores de combustíveis fósseis, óleo mineral, herbicidas, radiação (X e gama), ácido sulfúrico e negro de fumo. As indústrias onde há maior risco de exposição a tais agentes são as de construção civil, metalúrgica, de couro, de manufatura da borracha, mineração e agricultura. As ocupações de maior chance de exposição a estes agentes são: engenheiro eletricista e mecânico, trabalhadores de extração de petróleo, motoristas de veículos a motor, trabalhadores de lavanderias/lavagem a seco, da indústria eletrônica e de limpeza.
Os fatores de risco comuns, tanto para o câncer de cárdia (ver quadro abaixo) quanto para o câncer não cárdico, incluem idade mais avançada, sexo masculino, tabagismo, exposição à radiação (raio-x e gama) e história familiar (KARIMI et al., 2014).
Cárdia Não cárdia Idade Idade Sexo masculino Sexo masculino Tabagismo Tabagismo Raça Raça História familiar História familiar Bebida alcoólica Bebida alcoólica Radiação (Raios X e gama) Radiação (Raios X e gama) - Infecção por H. pylori - Baixo status socioeconômico - Alta ingestão de alimentos salgados Excesso de gordura corporal - Doença do refluxo gastroesofágico - Referências
[1]KARIMI, P.; ISLAMI, F.; ANANDASABAPATHY, S.; FREEDMAN, N. D.; KAMANGAR, F. Gastric Cancer: Descriptive Epidemiology, Risk Factors, Screening, and Prevention. Cancer Epidemiology Biomarkers & Prevention, v. 23, n. 5, p. 700–713, 1 maio 2014. Disponível em: <http://cebp.aacrjournals.org/cgi/doi/10.1158/1055-9965.EPI-13-1057>. Acesso em: 12 mar. 2018.
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Detecção precoce
As estratégias para a detecção precoce do câncer são o diagnóstico precoce (abordagem de pessoas com sinais e/ou sintomas iniciais da doença) e o rastreamento (aplicação de teste ou exame numa população assintomática, aparentemente saudável, com o objetivo de identificar lesões sugestivas de câncer e encaminhar os pacientes com resultados alterados para investigação diagnóstica e tratamento) (WHO, 2007).
Diagnóstico Precoce
A estratégia de diagnóstico precoce contribui para a redução do estágio de apresentação do câncer. Nessa estratégia, destaca-se a importância de a população e os profissionais estarem aptos para o reconhecimento dos sinais e sintomas suspeitos de câncer, bem como haver acesso rápido e facilitado aos serviços de saúde (INCA, 2021).
Rastreamento
O rastreamento do câncer é uma estratégia dirigida a um grupo populacional específico em que o balanço entre benefícios e riscos dessa prática é mais favorável, com maior impacto na redução da mortalidade. Os benefícios são o melhor prognóstico da doença, com tratamento mais efetivo e menor morbidade associada. Os riscos ou malefícios incluem os resultados falso-positivos, que geram ansiedade e excesso de exames; os resultados falso-negativos, que resultam em falsa tranquilidade para o paciente; o sobrediagnóstico e o sobretratamento, relacionados à identificação de tumores de comportamento indolente (diagnosticados e tratados sem que representem uma ameaça à vida) e os possíveis riscos do teste elegível (Brasil, 2010; INCA, 2021).
Não há evidência científica de que o rastreamento do câncer de estômago traga mais benefícios do que riscos e, portanto, até o momento, ele não é recomendado (WHO, 2007; NCI, 2021).
Já o diagnóstico precoce desse tipo de câncer deve ser buscado por meio da investigação dos seguintes sinais e sintomas mais comuns (NICE, 2021):
- Massa em abdômen superior
- Dispepsia e disfagia
- Epigastralgia
- Perda de peso e de apetite
- Refluxo
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastreamento. Cadernos de Atenção Primária, n. 29. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_primaria_29_rastreamento.pdf. Acesso em: 25 jul. 2023.
INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA (INCA). Detecção precoce do câncer. – Rio de Janeiro : INCA, 2021. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document/deteccao-precoce-do-cancer_0.pdf . Acesso em: 25 jul. 2023.
NATIONAL CANCER INSTITUTE (NCI). Cancer types. Disponível em: https://www.cancer.gov/types/stomach Acesso em: 25 jul. 2023.
NATIONAL INSTITUTE FOR HEALTH AND CARE EXCELLENCE (NICE). NICE guideline Suspected cancer: recognition and referral. Published: 23 June 2015. Last updated: 29 January 2021 Disponível em: https://www.nice.org.uk/guidance/ng12/chapter/Recommendations-organised-by-site-of-cancer#upper-gastrointestinal-tract-cancers Acesso em: 25 jul. 2023.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Early detection. Cancer control: knowledge into action: WHO guide for effective programmes, module 3. Geneva: WHO, 2007. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/43743/9241547338_eng.pdf?sequence=1. Acesso em: 25 jul. 2023.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guide to cancer early diagnosis. Geneva: WHO; 2017. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241511940. Acesso em: 25 jul. 2023.
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Sinais e sintomas
O câncer gástrico caracteriza-se em um estágio inicial pela ausência de sintomatologia ou pela presença de sintomas vagos e inespecíficos, o que contribui para o seu diagnóstico em estágios avançados, muitas vezes já com metástases à distância (M1). Com a evolução da doença, vemos o aparecimento de diversos sintomas, sendo a perda de peso e a dor abdominal os mais comuns. Quando presente, a dor tende a ser epigástrica, vaga e de leve intensidade no início, porém mais severa e constante com a progressão da doença.
Alguns sintomas podem sugerir a localização do tumor. A presença de disfagia indica um tumor localizado no terço proximal infiltrando a JEG, enquanto vômitos persistentes e associados à plenitude pós-prandial sugerem um tumor distal com invasão do piloro. O envolvimento de toda extensão do estômago (linitis plastica) leva a sua perda de distensibilidade, ocasionando queixas de náuseas e saciedade precoce. Sangramento oculto não é incomum pois 40% dos pacientes apresentam anemia, ainda que hematêmese ou melena sejam observados em apenas 15% dos casos.
O principal objetivo da anamnese e exame físico é afastar doença metastática. Os sítios mais comuns de doença M1 são fígado, peritônio e os linfonodos não-regionais; outros menos comuns são ovários, pulmões, ossos, sistema nervoso central e partes moles. A presença de massa epigástrica palpável é o sinal mais comum ao exame físico e indica doença localmente avançad
Durante a avaliação sempre se deve pesquisar sinais patognomônicos de doença metastática, que incluem linfonodomegalias supraclavicular esquerda (nódulo de Virchow) ou axilar esquerda (nódulo de Irish). A presença de ascite, implantes em peritônio pélvico pelo toque retal (prateleira de Blummer), em região periumbilical (nódulo da irmã Maria José) ou massa ovariana palpável (tumor de Krukenberg) denotam sinais de carcinomatose peritoneal. Hepatomegalia pode indicar metástase hepática, frequentemente multifocal, e o aparecimento de icterícia ou insuficiência hepática denota evolução terminal da doença metastática.
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Diagnóstico
O diagnóstico do câncer gástrico é baseado na endoscopia digestiva alta com biópsia. Eventualmente alguns casos necessitarão de exame de imunohistoquímica (diferenciação entre adenocarcinomas pouco diferenciados e linfomas).
Mais recentemente, a biologia molecular tem contribuído para individualizar a terapia sistêmica dos pacientes.
A tomografia computadorizada, o PET-TC e a videolaparoscopia contribuem para o estadiamento tumoral.
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Classificação e estadiamento
O estadiamento pré-operatório é fundamental para a determinação da melhor estratégia terapêutica a ser desenvolvida.
Atualmente, o estadiamento é baseado em duas grandes classificações: uma é a 8ª edição do sistema TNM, desenvolvido em conjunto pela American Joint Committee on Cancer (AJCC) e International Union Against Cancer (UICC), sendo o sistema de estadiamento mais utilizado no mundo; a outra é a Classificação Japonesa (6ª edição inglesa)
- Sistema TNM (AJCC/UICC)
T – TUMOR PRIMÁRIO
Tx - Tumor primário não pode ser avaliado
T0 - Não há evidência de tumor primário
Tis - Carcinoma in situ: tumor intraepitelial sem invasão da lâmina própria, displasia de alto grau
T1 - Tumor invade a lâmina própria, muscular da mucosa ou submucosa
T1a - Tumor invade a lâmina própria ou muscular da mucosa
T1b - Tumor invade a submucosa
T2 - Tumor invade a muscular própria
T3 - Tumor penetra no tecido conjuntivo da subserosa sem invasão do peritônio visceral ou estruturas adjacentes
T4 - O tumor invade a serosa (peritônio visceral) ou estruturas adjacentes
T4a - Tumor invade a serosa (peritônio visceral)
T4b - Tumor invade estruturas/órgãos adjacentes
N – LINFONODOS REGIONAIS
Nx - Os linfonodos regionais não podem ser avaliados
N0 - Sem metástase de linfonodos regionais
N1 - Metástase em um ou dois linfonodos regionais
N2 - Metástase de em três a seis linfonodos regionais
N3 - Metástase em sete ou mais linfonodos regionais
N3a - Metástase em sete a 15 linfonodos regionais
N3b - Metástase em 16 ou mais linfonodos regionais
M – METÁSTASE À DISTÂNCIA
Mx – Metástase à distância não pode ser avaliada
M0 – Ausência de metástase à distância
M1 - Metástase a distância
Grupamento por Estágios
T
N
M
0
Tis
N0
M0
I
T1 ou T2
N0
M0
IIA
T1 ou T2
N+
M0
IIB
T3 ou T4a
N0
M0
III
T3 ou T4a
N+
M0
IVA
T4b
Qualquer N
M0
IVB
Qualquer T
Qualquer N
M1
- Classificação Japonesa
A classificação japonesa é um sistema de estadiamento bem mais detalhado em relação ao TNM da AJCC/UICC. Este detalhamento adicional, agrega potenciais benefícios, dentre outros, diferenciar e quantificar as metástases à distância, peritoneais e hepáticas, e a citologia peritoneal. A aplicação destas informações direciona-se a abordagens terapêuticas específicas, aparte das condutas usuais, interessando aos serviços dedicados ao manuseio de situações complexas no AG, e/ou envolvidos em procedimentos investigacionais.
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Tratamento
O tratamento do câncer gástrico varia de acordo com o estadiamento da doença. O câncer precoce (limitado às camadas mucosa e submucosa) pode ser tratado com ressecção endoscópica (em geral lesões menores de 2cm, bem diferenciadas, restritas à mucosa, não ulceradas e sem invasão angiolinfática) ou gastrectomia com linfadenectomia a D1.
As lesões avançadas são tratadas com gastrectomia a D2 associada a tratamento (neo)adjuvante, contemplando quimioterapia e, eventualmente, radioterapia.
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Estudos clínicos abertos
Confira os estudos clínicos abertos para inclusão de pacientes no INCA.
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Acompanhamento pós tratamento
O maior risco do retorno da doença, após um tratamento com intenção curativa, ocorre nos dois primeiros anos, fazendo com que nesse período as consultas ocorram a cada 3 meses. Entre o 3º e 5º ano, as consultas ocorrerão a cada 6 meses e, a partir do 5º ano, o seguimento passará a ser anual. Em cada consulta será realizada anamnese e exame físico.
Exames de imagem, EDA ou exames de sangue não devem ser solicitados de rotina no seguimento, devendo ser realizados apenas com alguma indicação clinica, constatada pela anamnese ou exame físico.
Nos pacientes submetidos a gastrectomia total, a reposição de vitamina B12 é obrigatória para prevenção da anemia megaloblástica.
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Prevenção e Fatores de Risco